Hoje é domingo, 19 de março.
Tive aula a semana toda, inclusive ontem. Hoje tive um simulado pela manhã e saí as 12h30 com uma chuvinha boa.  Cheguei no ponto de ônibus e a chuva aumentou bastante, então acessei o aplicativo pra ver quando passaria o ônibus: dali 15 minutos.
Domingo, 15 minutos num ponto de ônibus, sozinha, com muita chuva... Pensei em chamar um Uber, mas fiquei me convencendo que passaria rápido e não aconteceria nada comigo.

Eis que chega um senhorzinho, nota que estou de fone e acena pra falar comigo.
- Moça, posso ver que horas são? - Apontando para o celular.
- Claro. - Mostrei.
- Ah, que bom, já deve estar pra passar o ônibus. - disse enquanto chacoalhava o guarda-chuva.
- Que ônibus o senhor vai pegar?
- 382. - ele respondeu enquanto eu acessava o ponto novamente no aplicativo.
- Ele vai demorar uns 10 minutos.
- Ah, obrigado.

Um minutinho apenas de silêncio e ele começa a conversar comigo.
- Tive que voltar mais cedo hoje por causa da chuva, a gente estava distribuindo marmita pros moradores de rua, distribuímos umas 100. Faço isso toda semana com o pessoal da igreja. Ai com a chuva o padre mandou parar e estamos voltando.
- E pelo jeito essa é uma chuva daquelas que dura a tarde inteira, né?
- É sim. - breve pausa - O Jonas - prefeito de Campinas - foi um incapaz em lidar com o caso dos moradores de rua, ontem ele colocou uns no ônibus e mandou pra Santos...
- Nossa! Como assim?! Vai simplesmente mudar o problema de lugar... Ninguém resolve nada mesmo.
- Só em São Paulo são 100 mil moradores de rua. E a gente conversa com eles, sabe? A gente faz um trabalho de assistente social, tem que fazer. Muitos perdem a identidade e não sabem nem mais quem são.

Mais um minutinho de silêncio e o assunto muda. Volta pra chuva.
- Ai a gente chega em casa e tem que ouvir aquele Datena falando mal da chuva. Ele e o outro lá da Record. - Assenti com um riso e ele continuou - E não é só eles não, até o William Bonner, se você ver, vai lá anunciar a previsão e fala da chuva como "Tempo ruim", não existe isso de chuva ser tempo ruim.
- O pessoal acha que é culpa da chuva as merdas que acontecem, enchentes e tal. Mas é a gente mesmo. - respondi concordando.
- Tempo ruim é o que estamos vivendo hoje.
Nesse momento minha cabeça fez aquele famoso BOOOM, Vou descrever meu pensamento: PUTA QUE PARIU, REAL OFICIAL. "TEMPOS RUINS ESTÃO POR VIR, HARRY." "AAAAAA EU PRECISO CHEGAR EM CASA E ESCREVER SOBRE ISSO.

Mas claro que por fora eu estava apenas parada no ponto de ônibus, sem esboçar essa reação e já grata por essa conversa. Achei que era isso. Mas não. Continuamos.
- Ah, mas o tempo tá bom pra chegar em casa, ver televisão. - Ele disse. - E comer bolo de mãe.
- Nossa... Sim! A minha nem faz mais, hoje em dia o pessoal só compra. - Que vontade que deu.
- É, tem tanta loja de bolo agora, até uma sobrinha minha entrou nessa de vender bolo.
- Pena que comprar o bolo não vem junto aquele cheirinho que fica na casa inteira um tempo antes e um tempo depois de pronto.
- É... Isso aí era bom... - pausa nostálgica, creio eu. - Dia de chuva a mãe mandava a gente sair pra tomar banho de chuva, ai depois entrava, tomava banho e ficava quentinho em casa comendo bolo.
Água da chuva é remédio, sabia? Minha tia é benzedeira, sabe o que é? - fiz que sim e ele prosseguiu. -  Ela usa água da chuva, e cura mesmo. E eu estudei, sei que é verdade. Fiz ciência, hoje seria alguma coisa de engenharia. Vi matemática, fisica, química, tudo avançado. A água da chuva é ionizada, por isso que as plantas crescem e faz bem pra nossa cabeça.

Nos minutinhos de pausa de agora pensei em todas as comidas gostosas pra dia de chuva, bolo, torta, rocambole, pudim, brigadeiro, bolinho de chuva, broa, rosquinha... Ou seja, todas as comidas. Não comi nada hoje ainda hehehe Então sim, vontade de tudo isso.
- Hoje em dia não tem mais essas coisas e o pessoal fala mal da chuva. as crianças só ficam no celular, uns 30 aplicativos e pra quê? qual a utilidade? Rede social só serve pro pessoal inventar mentira.
- É, tem de monte mesmo. - eu ainda estava estasiada pensando em "Estamos em tempos ruins, mas não é a chuva", não consegui pensar em algo melhor. Ele continuou falando um pouco disso e mudei meu pensamento para incrédula, pois tudo o que esse senhor estava falando eu estava em contato na manhã do mesmo dia e na semana passada também. Tecnologias e relacionamentos humanos. Um era um texto da veja sobre A Era da Solidão Acompanhada, o qual discordei. O outro está aqui na sacola à 2 metros de mim, mas estou com preguiça de ver qual era, mas na mesma vibe: de que a tecnologia piorou as relações humanas. Discordei também. Embora eu entenda o ponto de vista dos mais velhos e este fora justamente o que abordei na redação do simulado de hoje. É difícil pras gerações mais velhas entender como as relações humanas se adaptaram às tecnologias. Não só se adaptaram como estenderam essas relações.

E nesse momento parece que estou reescrevendo todo o meu texto aqui. Não dá pra dizer que hoje você vai jantar com a família e todo mundo fica no celular, não prestando atenção ao seu redor, uma vez que essa cena poderia ser vista da mesma forma, só que com um jornal, na época dos nossos avós.  E o quanto a tecnologia nos coloca em contato com pessoas fora no nosso ciclo rotineiro? De qualquer lugar do mundo, ou mesmo parentes que hoje moram muito longe.
Dizem que não há mais contato do tipo olho-no-olho, o próprio senhorzinho que conversava comigo hoje é um exemplo dos que pensam isso. Mas, como aprendi semana passada com um amigo do cursinho e como coloquei na redação de hoje, a conexão humana se estende para o mundo virtual e tem as mesmas sensações que quando estamos diante de alguém que amamos, ouvindo essa pessoa falando com a gente. Sentimos o mesmo se ela fala do outro lado da carta, do telefone, do whatsapp. Mas hoje com mais dinamismo e rapidez.
- Hoje as coisas são tudo muito rápido - Disse o senhorzinho. - E ninguém precisa de tudo isso.

Pois é, eu queria ter chamado um Uber pra não esperar 15 minutos na chuva. E olha que conversa bacana eu ia ter perdido! Fui olhar no aplicativo mais uma vez.
- Nossos ônibus são os próximos, vai vir primeiro o meu e logo atrás o seu. - Mostrei a tela pra ele e falei bem brevemente de como ele funcionava. Ele adorou! - Ah, olha lá eles. Primeiro o meu e depois o seu, bem como eu falei.
- Nossa! E não é que funciona mesmo? Obrigado viu, moça.
- Viu, tem uns que são úteis! hehehe! Tchau!
Ele se despediu e eu embarquei.






Deixe um comentário